O álbum estava perfeito, não da forma como eu escolheria as canções. Os ensaios desgastantes me faziam gostar das músicas dali. E embora algumas letras não combinassem muito comigo, pelo menos haviam acertado o estilo balada que facilmente se adequava a minha voz.

Jin-Joo estava com uma cara de ter engolido um abacaxi por engano.

— Por favor, me perdoe. – Fui me desculpando para o produtor que parecia mais incomodado com a minha manager do que com o meu atraso. — Esse frio na barriga não quer sumir. – E ela não queria ouvir, apontou aquele dedo esguio pra mim, revelando meus podres das batatas-fritas. Pelo menos não tinha descoberto os meus biscoitos escondidos debaixo da cômoda.

Fiquei ali de cabeça baixa ouvindo atentamente cada palavra, até que a mesma me ordenou a seguir para o interior do estúdio. Quase não passei pela porta de tanto nervosismo, travei na abertura, mas com força de vontade caminhei para o interior.

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Assim que Jin-Joo abandonou o microfone e o produtor tomou posse, suas palavras soaram calmas e confiantes até o fone de ouvido ultra, mega caro que eu acabava de colocar. O estúdio inteiro tinha uma acústica agradável e embora eu estivesse sozinho ali dentro, o vidro que separava as duas salas me permitia ver minha manager, a assistente de produção e o produtor.

Eu não sabia bem o que ele queria quando me pediu para fazer uma pequena gravação separada da música. A sua exigência era em um tom bem baixinho, quase em forma de sussurro. Em alguns momentos, ele me pedia para aumentar a voz, principalmente nos refrões onde fiquei confuso se eu havia iniciado ou não a gravação de Lie. O bom é que não era canção inteira, somente algumas frases, estrofes e o refrão.

Após o termino, ele me pediu alguns minutos e remexendo furiosamente nas séries de teclas presentes naquela mesa, ele parecia satisfeito com o que somente ele, sua assistente e Jin-Joo podiam ouvir. Quando os três haviam se cansado de me deixar esperando, a sua voz soou novamente nos meus ouvidos, avisando que a gravação da canção começaria.

Lie era uma mistura de algo bonito por causa da melodia, encantador pelo timbre de voz que eu usava e assustador pela letra. Na realidade metade dos meus pesadelos eu desconfiava que pudessem ser frutos de Lie. No entanto, se achavam que um garoto de dezessete anos poderia cantar aquele estilo meio sombrio, o que eu poderia fazer?

Fiquei arrepiado logo no início instrumental, ouvindo o que deveria ser a mistura de piano e violino. O instrumento de corda entrou logo após para deixar agoniado. Eu não conseguia explicar, mas aquela parte me fazia querer arrancar a roupa e sair correndo aos prantos.

E novamente a minha voz estava ali como segundo plano. Era como se um segundo Soo estivesse cantando ao meu lado. Fechei os meus olhos entregando a emoção que a letra pedia. Jin-Joo sempre dizia que a emoção poderia ser gravada junta com a melodia, o que explicava o porquê nos emocionava ao ouvir no rádio uma música de amor.

Aquela parte era quase um sussurro. A minha segunda voz entrando pelos os meus ouvidos, a letra bem aflita, foi necessário muita força de vontade para não gritar. Aquela era a preparação para o primeiro refrão.

Os refrãos me fizeram me afastar do microfone e liberar a minha a minha voz presa. Meus dedos subiram até a minha cabeça, onde de forma involuntária puxei levemente os meus cabelos de desespero. De forma controlada, soltei a voz, não emitindo técnicas vocais, apenas deixando o meu timbre livre para viajar com os instrumentos.

Novamente aproximei os meus lábios do microfone. A letra havia voltado a ser branda, quase doce. Não havia pedido de nada mirabolante, apenas deixar fluir de forma comum aquela parte mórbida de sofrimento.   

E finalmente algo que eu não precisava fazer. Nos ensaios simplesmente eu ficava ouvindo o piano, agora, tinham vozes parecidas das almas penadas de filmes de terror. A minha parte cantada era apenas a última frase, enquanto ela não chegava ouvia o coro fúnebre chegando nos meus ouvidos.

Por vir de uma estrofe tão sombria, mal tive percepção que o meu timbre estava mais encorpado. As vozes de apoio no Ah woo woo também estavam mais evidentes. Não era algo tão diferente da primeira vez que cantei no início da música, no entanto, levemente mal alto o som se evoluía. Diminuí a voz no final, deixando ela quase imperceptível.  

Se na primeira vez na música eu havia quase sussurrado essa parte, naquele momento deixei a voz comum. Ela saiu abafada graças aos instrumentos e vozes extras, mas passei a mensagem de pedido de socorro, liberando a emoção que a letra pedia.

E novamente afastei-me do microfone, liberando a voz. Ao invés de agarrar meus cabelos como na primeira vez, desci minhas mãos pelo meu peito e agarrei a barra da minha camisa. Era quase insuportável cantar aquilo. A minha voz soava tão fria com as outras de apoio. Eu não liberava todo o meu potencial vocal e não precisava, o foco na era as técnicas e sim a forma da dicção junta com os instrumentos.

Eu precisava seguir as vozes, deixa-las engolir o meu timbre. Aquele era um macete que aprendi nos ensaios para o que veria ao final. Sem presa, não me preocupei, fazendo algumas vezes minha voz sair milésimos atrás das principais. Só me apeguei no ritmo e na afinação. E no final da estrofe, segurei o meu diafragma preso com ar, afastei-me novamente do microfone e soltei um falsete disfarçado de agudo. O mantive por três segundos apenas.

Ao retornar para as últimas partes, precisei ser rápido e preciso. Vindo de um falsete parecendo um agudo, eu não teria ar por muito tempo. Engatei nas primeiras palavras e mal terminei o lie e soltei o ar, me preparando para prosseguir com as outras. O macete nessa parte era que a melodia era branda, suave, então não transparecia a minha mudança de voz claramente.

Conforme o refrão suave chegava ao fim, se iniciava a parte onde era preciso afastar-me do microfone pra não sair um timbre forte demais. Levei o restante final da música como havia feito desde o início, na calma e tentando controlar não somente a voz, mas meus sentimentos.

Quando ela findou, deixei o microfone, afastei-me e virei de costas para todos do outro lado. Respirei fundo aliviado e ao mesmo tempo sentindo meus batimentos aos poucos retornando ao normal. Eu não conseguia entender pelo o que o compositor estava passando no momento da escrita daquela letra, mas eu tinha uma leve ideia que não havia terminado tão bem assim para ele.    

            

Foi preciso longos minutos para que eu me recuperasse da música anterior.

— Obrigado. – Agradeci ao receber um copo de água da assistente de produção. Jin-Joo ficava olhando o relógio em todo o momento, contabilizando a demora que seria aquele álbum. Ela achou por algum momento que seria gravado tudo no mesmo dia? Eram seis músicas e todas eram repetidas algumas vezes para um melhor modelo para edição. — Estou pronto. – Falei depositando o copo em uma mesinha de canto e me aproximando do microfone novamente.

Coloquei o fone nos ouvidos e esperei alguns segundos até a melodia iniciar. A leveza dos instrumentos iniciais logo me encheu de alegria. Aparentemente o tempo de sofrimento havia passado, não é mesmo? A doçura do som do violão era um dos meus preferidos.

As primeiras duas partes eram as mais simples e delicadas. Além claro, da letra ser atraente. Iniciei um canto comum, no meu timbre normal. Era como se eu estivesse conversando em forma de música. Conforme as palavras se arrastavam, minha garganta relaxa cada vez mais, deixando a minha voz sempre em um tom mais baixo.

Com o tom ainda baixo, forcei as palavras de forma mais leve, utilizando um falsete nasalado que não era difícil de elaborar. As batidas guiavam minhas palavras, impossibilitando que eu fugisse do tom proposto. E a letra era tão calma e serena, que cada frase se arrastava sem pressa. Após o término dessa estrofe, o produtor falou aos meus ouvidos para que eu repetisse aquela parte, sendo ainda mais suave na voz que anteriormente. Ele colocaria a minha própria voz em segundo plano, assim pareceria que era um dueto, mas com um timbre semelhante ao meu. Obedeci sem me importar, quase dormindo ao cantar, pois se a primeira vez cantei despreocupado, agora eu praticamente sussurrava a canção. 

O refrão era ainda melhor de cantar. Me surpreendi ao ouvir o coro de vozes me envolvendo. Abri um sorriso de contentamento e remexi delicadamente os meus ombros. A sensação era de está em um coral. Fluí a voz sem problemas pela laringe, e se nasalei ou desafinei, não haveria como perceber, pois a minha voz era a mais baixa entre o coro.

As vozes ainda estavam ali após o refrão. Meus ombros ainda se mexiam na batida estilo balada. Aquela parte era uma engana desavisados, pois embora pudesse parecer que corrida, as palavras ainda eram ditas sílaba por sílaba, apenas os instrumentos que corriam mais rápidos.

Ali era as partes que eu teria dificuldades se fossem semanas atrás. A parte não remixada em um rap, mas o estilo latino era mais rápido que o comum. A parte era para mexer a cintura, e fiz sem ninguém me pedir. Prendi a respiração e iniciei aquela estrofe sem presa, porém obedecendo o timing. Era uma estrofe enganosa como a anterior, pois não haviam excessos de palavras, elas eram apenas bem trabalhadas. Ergui os olhos e enquanto cantava, não deixei de sorrir com eles para o produtor. Montar aquela música embora pudesse parecer fácil, havia dado trabalho.

Voltei a cantar a próxima estrofe, mas logo tive que parar e iniciar novamente. “Now baby can´t you see” era pronunciado tão rapidamente que não havia como eu recuperar o fôlego do ritmo latino anterior. Por fim, o produtor achou melhor que parasse no último tempo da estrofe anterior, recuperasse “meio fôlego” e assim forças para cantar aquela primeira frase tão rápida.

E logo após pegar o jeito certo de passar de algo tão rítmico para algo mais suave, prossegui. Cantarolando sem pressa e suavemente, obedeci o tempo das batidas delicadas e ao mesmo tempo aproveitando a letra que se dúvida era uma das mais bonitas de toda a música.

E novamente lá estavam as vozes na volta do refrão, fazendo-me esquecer das dificuldades anteriores. Eu conseguia-me ver cantando-a em um show, declamando para alguém especial. A única diferença era que no meu devaneio de estúdio, aquelas vozes eram substituídas pelas do público cantando junto comigo.

Deixei um pouco a suavidade, revelando o meu verdadeiro timbre. Aquela parte era a mais séria, pois era a penúltima do grand finale e se tudo desse certo, repetiria o refrão algumas vezes e pronto, estaria gravada. E finalmente após toda a declaração de amor na música, aquela estrofe era conclusão, pois afirmava a paixão sem ter para onde voltar. No final fui diminuindo o tom enquanto minha boca se afastava do microfone.

Voltei para o refrão e cantei-o novamente, sentindo a leveza de finalmente mais uma nova canção terminada.

— De novo? – Perguntei assim que a música terminou. — Ok! – Respondi ouvindo as batidas iniciais para recomeçar o processo do início.          

            

Eu estava começando a ficar agoniado, a última música gravada me rendeu horas. No horário do almoço, a assistente de produção veio com um prato de saladas. Saladas! Eu queria algo nutritivo que me enchesse a barriga. Fiz minhas refeições sobre o olhar atento da minha manager, afinal, ela sabia que na primeira oportunidade eu jogaria aquele prato de alface, agrião e rúculas na lixeira.

Após escovar os dentes e empurrar a floresta inteira abaixo com um copo de água, me juntei a mesa de produção e ali visualizei o projeto para a próxima música. O produtor me explicava às coisas de forma educada, ignorando completamente que para muitos ali eu era apenas um pivete de dezessete anos. Um alguém que não devia ser consultado quanto a minha imagem e gravações.

Todos sabem que as empresas são mandonas com os seus ídols. Porque eu estava reclamando mesmo?

Entrei na cabine e depositei o fone de ouvido. Eu gravaria naquele momento true love, uma canção simples, bonita e que havia me conquistado desde a primeira vez que ouvi do compositor em um violão velho.

O som do piano delicado invadiu meus tímpanos, em seguida instrumentos dignos de um rei. O início me lembrava demais os inícios da falecida, porém eterna rainha Whitney Houston. No entanto, não tinha nada a ver.

O início exigia algo sereno, sem esforço. A minha voz fluía pelo microfone, acompanhada das primeiras batidas delicadas. Fechei os olhos, imaginando o que seria a maior declaração de amor que alguém poderia receber.

A segunda estrofe exigia algo mais encorpado. Não era nada que alguém pudesse ouvir e dizer: Uau, que timbre! Todavia, me obrigava a colocar mais forças na voz e dicção das palavras. O segredo daquela parte era o sentimento imposto no canto. Algo que descobri duas vezes depois de cantá-la nos ensaios. Quando expunha os sentimentos, aquelas palavras saiam com mais vida. Ao final da estrofe, afastei um pouco a boca do microfone para soltar um pouco da voz.

O refrão surgia com força. Eu nem mesmo me lembrava de que os instrumentos deveriam ficar tão altos. A vozes de apoio surgiram nos meus ouvidos e fui obrigado a aumentar a intensidade da voz, colocando ainda mais emoção. Eu começava a sentir que aquele amor era verdadeiro, abri os olhos e os primeiros que vi foi a assistente e Jin-Joo. Não percebi, mas foquei a minha atenção na menina ao lado de minha manager e só me dei conta quando a mesma corou violentamente.

Ao final de cada palavra, eu dava uma oscilada na voz. E ao final, oscilei ainda mais, quase sussurrante. As vozes se calaram e só a minha era ouvida, para depois elas retornarem confirmando a veracidade dos sentimentos daquela música.

As batidas leves estavam ali novamente. A música tornava-se a ficar lenta. Aproveitei para colocar os meus sentimentos em ordem. A voz fluía límpida e embora eu não conseguisse ouvi-la, o olhar aprovador do produtor dizia que até ali tudo havia ocorrido bem. Aquela parte revelava finalmente que a letra era para um amigo. Para decepção da assistente que parava de corar e me olhava impassível.

Essa parte embora tivesse a sonoridade idêntica a segunda estrofe, pedia algo mais vívido. A minha voz ficou alta o suficiente para ultrapassar os instrumentos. Afastei-me do microfone e deixei as palavras fluírem com vida, soltando a voz. Iniciei a estrofe em um tom e ao meio aumentei-o levemente. No final, fechei os olhos, meus dedos seguraram o microfone nada delicado e forcei um dó maior.

O refrão se repetia. No entanto, agora em um tom mais alto do que o cantando pela primeira vez. Até mesmo as vozes de apoio se elevavam. Elas não me ultrapassavam mais, a minha voz ficava mais alta.

A finalização da música tornava-se mais explicativa. Desci um tom e fui relaxando, ao som dos instrumentos. Aos poucos fui misturando uma nasalação misturada com um falsete baixo, apenas utilizando a garganta, sem a força dos diafragmas. Fui morrendo a voz, sendo acompanhado somente pelo piano. Abaixei a cabeça e foquei meus pés. Era a parte de deslizar da letra mais triste e retornar para o amor.

O refrão era cantado pela última vez. Pús a mesma emoção que anteriormente. Ao meio, minha voz se calava e eu deixava as vozes de fundo prosseguir. Eu sei, aquilo não havia sido conversado com o produtor, mas eu estava falando sobre amor. Então, tudo era válido. Elas repetiam true love e as batidas me deixavam pronto para finalizar a música. Cantei a última frase e olhei pelo vidro para os meus telespectadores.

O produtor mexeu em algumas coisas, subindo alguns botões, descendo outros. Olhou para mim e vi no seu olhar que eu teria que repetir a música. Nem mexi o meu corpo, fiquei no mesmo lugar.

— Young-Soo, gostei do que fez no final. – Falou ele. — Quero que repita a música novamente, preciso ter material para fazer a junção da sua voz nas outras vozes de apoio.

            

— É só um momento. – Falei abandonando o banheiro e indo em direção ao lavadouro. Após toda a higiene, sequei as mãos e retornei para a cabine. — Pronto! – Afirmei decidido.

Era a vez da gravação de serendipity, a música que seria título do álbum e a minha preferida entre milhares. E não era somente pela letra doce, era porque a música deixava claramente como era a minha voz original, sem truques, sem edições. Young-Soo por Young-Soo.

Coloquei os fones de ouvidos.

A diferença entre aquelas músicas das anteriores eram que os instrumentos não eram as partes mais importantes. A introdução instrumental era rápida, três segundos apenas. E logo em seguida minha voz já entrava em ação. Serena, doce e calma. Serendipity era daquelas canções que pediam sentimentos para serem gravadas com êxito. E era uma letra feliz, alegre. Embora eu soasse calmo, confiante, internamente meus sentimentos estavam embaralhados. Com a respiração um pouco acelerada pela emoção.

Era sútil a mudança de tom que ocorria no meio da canção. As vozes de apoio surgiam baixas e suaves na primeira parte em inglês. E logo após me preparavam para a estrofe anterior ao refrão. Deixei a minha voz morrer de imediato após a última palavra, prendi um fôlego rápido, pois a próxima parte era milésimos de segundo mais cedo.

E as batidas se iniciavam serenas apenas para não deixar uma imagem de canção crua. Levemente minha voz retornava ao tom da primeira estrofe e em vez de alongar as palavras, eu diminuía a voz a ponto de parecer quase um sussurro. Era doce demais gravar algo tão bonito.

A música logo pausou naquela parte, meus ouvidos não ouviam mais as batidas lentas. Ergui os olhos e olhei para o produtor. Como resposta a sua voz invadiu os meus fones.

— Young-Soo, refaça essa parte por favor. – Falava ele educadamente. — A canção é bonita por si só, mas podemos enfeitá-la mais. Tente cantar ainda mais baixo do seu tom, irei usar essa parte para unir com a sua voz original e passar uma imagem de um duo. – Acabou a explicação.

Preparei-me e refiz apenas aquelas duas estrofes anteriores, quase dormindo em pé. Eu tive medo que os sussurros pudessem ficar sensuais demais, mas pela receptividade do produtor, eu havia feito exatamente da forma como ele queria. Em seguida, a música se iniciou do princípio, mas que assim eu não me perdesse no momento de prosseguir com a gravação das letras que ainda faltavam.

E ali era uma mistura de uma voz mais firme e partes delicadas. Eu tive que acertar com precisão quando colocar o quê e aonde. As vozes de apoio estavam ali para me ajudar. E somente graças a elas que me mantive no tom, oscilando quando preciso e dando uma palavra mais firme quando necessário.

Eu não sabia se estava preparado para a emoção do refrão.

Just let me love you

Apenas deixei a canção e a letra me guiar. Segurei o cabo de apoio ao microfone, estiquei o pescoço e o joguei levemente para trás. Com os olhos fechados, imaginei uma dama sensual, linda e delicada envolvida entre lençóis. Ela sorria pra mim e eu então me declarava.

A minha voz fluía para alguém imaginário. O you se arrastava por alguns segundos a mais com a ajuda do coro de apoio. A batida delicada envolvia a minha mente, não a ponto de me fazer esquecê-la, apenas para me transportar a outro mundo.

Passei um tempo absorvendo a sensação, aproveitando o instrumento para manter viva em minha memória a princesa imaginária dos meus pensamentos. Retornei para a estrofe anterior ainda envolvido demais com o refrão. A parte havia voltado mais lenta, abri os olhos e foquei as pessoas que me assistiam. A minha voz prosseguia doce e sem pressa. E com os instrumentos mais baixos, meu timbre a o coro eram mais nítidos.

E o refrão retornava manso, apenas instrumental com a ajuda de um instrumento de corda e um piano. Meus dedos se erguiam no ar e desciam como se eu estivesse tocando a pele de alguém. Não parecia que eu estava cantando e sim declamando uma poesia.

Ao final após o refrão, as batidas voltavam e eu conseguia sorrir levemente.

A finalização da letra era magistral. A música era lenta demais no início sem batida. Eu declamava quase falante. Ao fim dos sussurros, as batidas vieram e eu aumentei um pouco a voz. Eu não estava sozinho, o coro estava ali comigo. Fui deslizando pela letra e por fim afastei-me levemente do microfone e soltei um falsete delicado sustenido. Fui pego pelo refrão doce e foi preciso apenas eu desenvolver o restante da canção. Não foi necessário imaginar, Jin-Joo estava ali e parecia tocada, emocionada. Quando acabei a letra, vi que as maçãs do meu rosto estavam molhadas.

Eu havia chorado enquanto cantava. Céus, como eu amava serendipity!           

            

Fechei a torneira e fiquei encarando o meu reflexo no espelho. Eu já estava com os olhos vermelhos de tanto chorar. A próxima música mexia pessoalmente comigo, pois era algo que eu havia vivido na minha pele. Nap of a star era a próxima gravação e embora a noite estivesse se aproximando, na minha alma já havia escurecido a muito tempo.

Eram lembranças dolorosas demais para um garoto de dezessete anos ter.

Ouvi batidas delicadas na porta e quando a abri, vi Jin-Joo e me surpreendi que ela não estava brava pela minha demora. Sem jeito, ela ousou erguendo as mãos, mais desceram antes de me tocarem.

— Sabe que podemos gravar outra música. – Falava ela. — Não é difícil convencer o Hanjoo. Ensaiamos tantas. Vamos mudar!

 — Jinjoo-nim, tudo bem. Eu estou bem! – Menti.

Entrei na sala de gravação e já conseguia ver Josephine correndo ao meu lado, igual quando éramos crianças. Infelizmente, o destino havia retirado minha melhor amiga do meu lado. E embora eu tivesse dito que me mudando para Seoul iria diminuir as lembranças, não havia uma só noite em que eu não sonhava com ela. Ser um idol famoso era o sonho dela e não o meu. Por isso que eu lutava para realizar o desejo de alguém que não estava mais ali em vida, no entanto, presente para sempre na minha vida.

Coloquei o fone de ouvido e tentei acalmar meu coração em pedido de socorro.

A letra iniciava antes mesmo dos instrumentos, por isso fui obrigado a seguir mentalmente um cronometro. Uma entrada atrasada ou adiantada demais poderia me fazer gastar mais tempo que o necessário. Eu não cantava sozinho aquela música, as vozes de apoio me acompanhariam em todo o momento. Eu podia relaxar na voz.

Sentei-me no banco pela primeira vez naquele dia, afinal, eu não confiava nas minhas pernas. Com os olhos bem abertos, cantava com medo de começar a chorar novamente. Todavia, Josephine já estava ali com o seu sorriso travesso, olhando para mim com a mesma aparência antes do acidente de carro.

Mudei o tom da voz, porém deixando-a leve, afastando do microfone. As vozes deixavam o meu tom ainda mais calmo. Repousei minhas mãos no meu colo e vi Josephine correndo e logo em seguida parando com o seu sorriso que iluminava o meu dia. Me concentrei na música, dando o sentimento próprio, algo que eu sentia tão cruelmente naquele momento.

Porque eu havia aceitado gravar aquela música mesmo?

No intervalo instrumental, onde eu simplesmente era seguido pelas vozes no “huu huuu”, sem percepção, coloquei a mão no meu peito. Eu não sentia a dor daquele acidente havia vários meses, agora ela havia voltado junto com as lembranças. Entre as vozes doces, senti-me levemente sufocado. Ouvi a porta do estúdio se abrir e então minha manager estava ali no interior.  

Com as batidas que não traziam alegria, prossegui com a música. A melodia havia sido feita delicadamente. Eu não fazia força para cantar, as palavras fruíam sem presa e no meu timbre original.

E ali no refrão revivi o acidente. O carro capotando, eu surgindo do lado de fora, rastejando enquanto Josephine apagada e presa manchava o solo da pista com uma poça generosa de licor vermelho. Incorporei um pouco a voz, sem deixar a delicadeza. As batidas me guiavam. Apertei o meu peito, os punhos fechados.

E foi ali que fui tomado. Minhas palavras cantadas tomavam vida e como eu gostaria que fosse verdade. Senti algo quente escorrer pelo o meu rosto, mas infelizmente não mudou alterou a minha afinação. As vozes ultrapassam a minha, o que era ótimo, porque eu não confiava nela naquele momento. E antes do piano sobressai a minha em apenas uma palavra.

E o refrão estava mais forte, a minha voz tomou uma forma diferente de toda a canção. Avolumada, parecia naquele momento que os instrumentos me acompanhavam e não o contrário. Mas, assim como ensaiado, eu abaixei a voz novamente e as vozes tomaram controle. Terminei a letra e fiquei ali encarando Josephine sumir aos poucos.

Ergui os dedos e toquei o vento. E só então me veio o pequeno soluço, seguido de outro. Abaixei a cabeça ciente que coreanos eram restritos aos próprios sentimentos, assim como meus pais me ensinaram. Baixinho, chamei por ela e como não senti a sua presença física, vi as gotas molhando o tecido da minha calça e eu começando a aumentar a intensidade do choro.            

            

Não havia chance de a última música ser gravada naquela noite. Além do horário avançado, eu estava um caco emocional. Mesmo que dissessem que as empresas eram cruéis com os seus ídols, Jin-Joo convenceu o produtor a terminar na manhã seguinte. Ele reclamou, dialogou e ameaçou, mas, vocês já viram minha manager sendo a megera de sempre? Pois é, no final eu não estava mais sofrendo, o medo estava muito maior na minha vida.
 
Tive uma noite turbulenta, onde vivi e revivi cenas do acidente, a polícia me interrogando em vão em busca de álcool ou drogas. Josephine estava dirigindo e ela não bebia e nem fumava. Revivi o velório, o enterro e as semanas seguintes onde tive que me forçar a viver sem ela em um mundo agora em preto e branco. 
 
Na manhã seguinte embora com muitas olheiras, eu estava o mesmo piadista de sempre. Distribuindo bom dia e com um sorriso no rosto. Me dirigi até o estúdio e saltitante, fui colocando o fone de ouvido, ignorando a máscara de raiva do produtor. 
 
Tudo estava pronto e logo iniciou os primeiros instrumentos.
 
Beautiful girl
Du nungae du nungae
Nega jeojeo deureo
Joshimseure joshimseure
Neol pum ane neoheo yeah
Kkeureoaneo yeah
Hokshi kkaejilkka bwa soneul nochilkka bwa
Nan heundeullyeo
Du gwitgae du gwitgae
Nega keuge ullyeo
Joshimseure joshimseure
Gaseume peojyeo yeah
Nae mameul jeoksyeo yeah
Naman algo shipeo neoraneun mellodi
 
Baby it´s you era divertida, para cima. Comecei lentamente a música com o timbre comum, apenas seguindo os instrumentos. A letra era linda e dançante. Na segunda metade a batida começou leve, mas não alterava o meu timbre.
 
Neo malgon amu uimi eopseo shishihae
Pyohyeon mothan ge neomu mana
Jaechokhae (jaechokhae) jaechokhae (jaechokhae)
Nunbushin miso gadeukhi useojun
 
A batida se intensificou, as vozes de apoio surgiram. Subi dois tons além do meu normal para poder seguir no ritmo sem ficar “estranho”. Eu gesticulava agora com as mãos, deixando o final bem nítido. A música era confortável, eu conseguia subir e descer o tom pedido sem esforços extras. Os instrumentos mais pesados me ajudaram a fazer a transição rápida das ultimas linhas.
 
Baby it’s u
Baby it’s u
Nae modeun geoseul georeo
Ne maeumeul da yeoreo
Deo banjjakbanjjak georige
 
Baby it’s u
(Girl you know that you’re my only one)
Baby it’s u
(Make me wanna stayin’ all night long)
Neoreul kkok dalmeun byeolbit araeseo
Na yeongweoniraneun kkumeul kkwobollae machimnae
Baby it’s u
 
E o refrão estava ali. Meus ombros se mexiam animadamente, meus dedos se movimentavam no ar e um sorriso estava nos meus lábios. Em um tom menor, cantei confortavelmente, subi ao final apenas para dar ênfase. Era mais rápida ali, mas não me perdi. Havia um espaço para a edição, eu sabia, Hanjoo havia me dito nos ensaios.
 
Quando ele me pediu para repetir a segunda estrofe do reflão, ignorando a letra e cantando somente as frases “Girl you know that you’re my only one” e “Make me wanna stayin’ all night long” de forma quase falante e mais baixa, fiz sem reclamar. Em um sussurro, fiz o pedido já imaginando como ficaria a versão final com todas as edições.
 
Eunhasu neomeo
Nege georeoganeun I gonggan soge ooh
Sumaneun byeoldeuri soksagyeo
My beautiful sunshine
You are the bright light
In this universe yeah
 
E novamente ela havia retornado para a lentidão. Aquela parte pedia uma liberdade total, abri os braços entoando as palavras. As batidas me envolveram e eu estava agora quase pulando. Segurei o microfone e ao terminar a estrofe, liberei um yeah para concretizar a mensagem.
 
Saehayan nuncheoreom
Nae ane sobogi
Gyejeori jinado nal bulleo
Jaechokhae (jaechokhae) jaechokhae (jaechokhae)
Geutorok oraettongan gidaryeojun
 
A preparação para o refrão estava ali novamente. Aquela parte ainda era confortável, eu precisava apenas deixar a dicção livre, seguindo ritmo e obedecendo a melodia límpida, porém dançante. A parte eletrônica vinha com o coro e ali segurei o fone em forma de concha, dançando e mexendo os dedos.
 
Voltei ao refrão, cantando exatamente da mesma forma que anteriormente.  Obedecendo a subida leve de tom a animação e afinidade.
 
Baby it’s u ooh ooh ooh eh oh
U ooh ooh ooh eh oh
Geurae neo hanaro nan kkumeul kkwo
Amugeotto nan an duryeowo
Sesangi neoreul neol jungshimeuro doragane
 
Baby it’s u
Baby it’s u
Nae modeun geoseul georeo
Ne maeumeul da yeoreo
Deo banjjakbanjjak bitnalge
 
Baby it’s u
(Girl you know that you’re my only one)
Baby it’s u
(Make me wanna stayin’ all night long)
Neoreul kkok dalmeun byeolbit araeseo
Na yeongweoniraneun kkumeul kkwobollae machimnae
Baby it’s u
 
Ao final enfrentei um refrão diferenciado, lento, as vozes ficaram sozinhas. Quando retornei foi para proferir as últimas frases e então soltar um falsete misturado com um agudo básico em mi menor, vibrante e nasalado ao final. E retornei repetindo “baby baby”.
 
E só então prossegui com o refrão que era o final também. Fui cantando agora mais livre, pois havia ido razoavelmente bem. Quando terminei a canção, Jin-Joo estava ali, as mãos unidas e parecendo satisfeita. No entanto, ao olhar para o produtor, vi que teria que melhorar em muitos pontos.
 
— Young-Soo... não foi ruim. – Iniciou ele. — Mas, você pode melhorar. De novo, vamos regravar algumas partes. Espera apenas eu ouvir como ficou a voz para decidir as estrofes que serão repetidas para não perdemos mais tempo. No entanto, antes da finalização, devo lhe dar os parabéns.
 
Fiquei ali com as bochechas coradas de emoção. Eu teria que repetir algumas só Deus sabe quantas vezes mais, no entanto, todo o trabalho mais pesado havia terminado. Eu finalmente seria lançado no mercado musical sul-coreano. Eu só não havia me decidido se aquilo era uma coisa boa ou ruim. Eu acho que é boa, né?