O verão na Coréia do Sul quase sempre era formado por chuvas torrenciais e alagamentos. Joon odiava aquele clima maluco e as notícias horripilantes na televisão de casas desabadas e famílias desaparecidas em enxurradas. Sair no verão quase sempre significava um imprevisto. E por ser obrigado a ter cautela, o solista havia chego cinco horas antes da sua apresentação, algo que o ajudou a ter tempo para se preparar melhor.

— Você vai deixar a cabeça quieta para a menina te pentear? – A voz da manager soou atrás dele. Joon se deliciava com um som acústico escapando de um dos celulares de alguém ali no camarim. Ele sentia falta daquele estilo, de quando cantava algo mais profundo e menos dançante, embora o pop sempre tivesse sido o seu foco. E as pessoas não entendiam aquilo.

— Me desculpe, sunbae-nim. – Pediu ele abaixando a cabeça e ficando quieto o restante do tempo.

A verdade é que o jovem estava eufórico com aquele stage. Não se lembrava de já ter apresentado algo tão pop no passado e se aquilo não fosse o suficiente, Paranoia era de sua autoria. Na linguagem musical dos artistas você só se torna alguém na indústria a partir do momento em que você grava algo composto por você e essa gravação seja bem recepcionada como havia sido aquele single. E aquele misto de orgulho e sensação de um trabalho bem feito deixava seu peito estufado. Dois anos! Ele precisou de dois anos para começar a ter reconhecimento.

Com o peito transbordando de emoção se encaminhou ao único ponto até ao banheiro, onde se observou por alguns minutos, percebendo que seus cabelos tingidos estavam perdendo a cor. Quando retornou a ala social do seu camarim, a sua figurinista já havia chego, trazendo na arara as peças que ele usaria naquela apresentação. Claro, ele já havia feito a prova para acertar as medidas, mas quando colocou os olhos no então figurino preto com detalhes dourados ficou emocionado.

Quando debutou há dois anos atrás, ele tinha dezessete anos e a empresa optou por fim colocar um estilo mais doce e lento para a sua voz, mas Joon sempre foi apaixonado pelo pop, por Justin Bieber, Harry Styles e todos os reis do pop ocidental, local onde nasceu. E agora ele via a oportunidade de fazer um trabalho que lhe trouxesse prazer, emoção. Ele estava começando a ser ouvido e deixava para trás aquele gênero infantil e assumia aos poucos um estilo mais adulto, digno da atualidade. Seus dedos tocaram no tecido da roupa e seus olhos lacrimejaram levemente.

— Emocionado por uma roupa? – A sua manager lhe tirou sarro, mas como acompanhante dele desde o início, ela entendia muito bem que só naquele momento ele fazia algo que lhe trazia aventura. — Ao invés de ficar choroso com uma calça, vá trocar de roupa porque você entra em quinze minutos. – Avisou ela.

E foi o que ele.

Minutos depois já com o figurino posto e a maquiagem finalizada de forma que suas bochechas pareciam mais sombrias ao invés de vivas, Joon caminhou pelo extenso corredor repleto de funcionários da emissora e ficou atrás do cenário, observando a equipe “destruir” o cenário anterior rapidamente e construir o dele. Um dos membros do programa lhe avisou que ele deveria entrar em cinco minutos e seu nome piscou inúmeras vezes no imenso telão que servia para informar aos fandom qual artista faria sua próxima apresentação. Felizmente ele não precisou de mais dois minutos para ouvir vozes e gritinhos contidos dos miracles. E como ele sabia?

Seu fandom tinha uma característica bem clara, comportados no início e animalescos vândalos no final. Os miracles se assemelhavam a ele, tímidos inicialmente e animados até ao final. E então sobre gritinhos contidos, ele entrou no cenário assim que as principais luzes se apagaram, deixando apenas as básicas para ele se orientar. Um funcionário o levou até o enorme “x” no centro do palco e ali ele teve o microfone ajeitado corretamente. O seu grupo de dançarinos também se posicionaram no chão, onde luzes em formato de lasers brilhavam.

Um grito feminino foi ecoado um pouquinho mais alto no momento em que as luzes do cenário criaram vida e começaram a brilhar e fumaças foram soltas no palco. Ele deu dois passos para trás e com a cabeça baixa esperou a luz principal lhe iluminar e então a apresentação que ele havia ensaiado tanto iniciar.

A luz se acendeu e caminhou dois passos bem vagarosos para frente, ciente que já estava sendo gravado. A batida da música soou inicialmente de forma não combinada com os arranjos do álbum e só então depois de alguns segundos ganhou o ritmo original.


Ao contrário das suas apresentações anteriores, Joon já iniciou aquela seguindo a coreografia da música. O dançarino principal do grupo lhe tampou o corpo enquanto ele se revelava aos poucos. O playback estava bem abaixo da sua voz real, de forma que quase não parecia que uma parte da música gravada soava junto com a sua voz. Ele deslizou pelas notas bem controladamente, focando na emoção do rosto. Paranoia não era um single para se ouvir, era um single para sentir na alma. Durante seus ensaios nos dias anteriores seu preparador de palco focou bastante na sua interpretação facial, de forma que naquele momento Joon usava e abusava de todas as dicas recebidas.


Algo que ele gostava daquela coreografia era a intensidade dos passos, de forma que ele pisava firme no chão e os movimentos de braços não eram doces e singelos. Passeou por toda a primeira parte da música até finalmente chegar ao refrão onde tomou o centro dos dançarinos e intercalava entre olhar para a câmera principal e fitar o chão obedecendo a coreografia. Sua voz precisava ser forçada para sobressair à acústica do estúdio e aos arranjos instrumentais que soavam alto até demais. Naquele momento ele sentiu medo da sua voz ser engolida e aumentou a intensidade de forma que diminuiu a expressão do rosto.

Deixou o refrão se sentindo um pouco cansado devido ao esforço exagerado, mas não se deixou perder a dança cronometrada. As leis das empresas sempre diziam que os dançarinos deveriam seguir os artistas, mas ali Joon permitia que os dançarinos criassem vida própria. Ele preferia aparentar ser parte do grupo de dança do que controlar a criatividade e esforço da sua equipe.


Desde que deixou o primeiro refrão Joon sofreu um pouco com a intensidade da canção, mas sua alegria estava em sentir aquela parte chegando. O palco já estava todo iluminado e os dançarinos empolgados com a coreografia. O solista foi abaixando o tom de voz e ali deixou o playback guiar. Pela primeira vez naquela apresentação ele deixou o solista de lado e incorporou o bailarino. Deixou a emoção da letra impregnar seu rosto e quando seus movimentos de braços iniciaram, eles estavam desesperados. No centro dos bailarinos, ele fazia exatamente igual, abaixando o corpo ora curvado, fazendo as giradas de pescoço e completando com um olhar sombrio e sedutor ao mesmo tempo.

Nem todos haviam notado aquilo, mas a dança de paranoia tinha um pouco do pop ocidental nas batidas de perna e nos movimentos que os dedos faziam em formato de garras. No fim, era bem inspirado em alguns passos do saudoso Michael Jackson.

Aquela parte da coreografia era a sua preferida, de forma que quando o restante da música foi se desenrolando, ele ainda estava enfeitiçado. Sentia o suor pingando do seu rosto e alguns fios de cabelo grudar na sua testa. Seu peito subia e descia de emoção e cansaço e quando a apresentação terminou ele abaixou a cabeça agradecendo mentalmente ao deus do palco por ter lhe dado força e então fitou a câmera, trazendo um pouco da expressão facial da coreografia consigo. As luzes foram diminuindo a intensidade e então um funcionário da emissora tocou suavemente suas costas lhe chamando para deixar o palco.

— Foi uma boa apresentação. – Falou sua manager lhe entregando uma garrafa de água em temperatura ambiente. — Já vi melhores. O que aconteceu com a sua voz lá?

— O arranjo instrumental ficou alto demais. – Explicou o jovem bebendo um gole generoso do líquido. Ao seu lado o seu preparado de palco deu de ombros, parecendo não entender do que o menino falava. — O playback ficou bem mais alto que a minha voz e no refrão quando o tom aumentou precisei quase gritar para ser ouvido. – As pessoas ao seu redor pareceram entender finalmente.

— Isso é uma coisa que não pode mais acontecer. – Afirmou a manager. — Na próxima apresentação vou ficar do lado da sonoplastia. Por sorte, a dança e ferocidade da música deixou passar quase despercebido esse detalhe. – Ela findou jogando uma toalha úmida nos ombros do garoto. — Para o começo da promoção do mini álbum foi muito bom.