relógio e calendário do celular marcava oito horas e quarenta minutos da noite do dia três de setembro. Minhyun não conseguiu nem por um segundo de todo aquele dia a sua empolgação para com o seu debut. Já estava tudo acertado com San-Gaga, contratou o estúdio do amigo para realizar a gravação do seu álbum... tudo corria conforme ele tanto aspirava desde mais jovem. Sempre lhe parecia algo tão inatingível, mesmo quando ele finalmente terminou de compor as faixas com o auxílio de Sangwook. E com toda aquela empolgação que nem mesmo ele sabia como gastar e controlar, penou a dormir naquela noite, entregando-se aos braços de Morfeu quando já tinha se passado da meia noite.

Contudo, o tempo não era generoso para um jovem que dependia de sua autonomia para sobreviver. Às quatro e quarenta e cinco da manhã seu alarme já tocava e o despertava do breve sono. Minhyun resmungou consigo mesmo e se dispôs sentado na cama até levantar e realizar todos os processos matinais que lhe são comuns como tomar banho, café da manhã, escovar os dentes e dar atenção aos seus três mimados gatinhos que ele tanto amava para depois sair e pedir um táxi, já que embora soubesse dirigir e tivesse a habilitação, não detinha um veículo sob sua posse.

”Estou a caminho... keke” Escreveu para Sangwook logo após entrar no automóvel e confirmar o endereço para onde queria ir.

O início do trajeto havia sido tranquilo, o motorista não conversava muito e nem o próprio Venus falava muito também. Estava em uma mistura de ansiedade e nervosismo, sem contar que era um pouco supersticioso e acreditava que se contasse tudo o que faria para todo mundo, daria errado. Então preferiu guardar para si a animação que mal conseguia conter, descontando um pouco dela em sua perna destra que não parava de balançar. Tentava se distrair também com a paisagem que bem já conhecia, então buscava janela afora detalhes que das outras vezes tinha deixado passar desapercebido, o que não estava sendo muito fácil já que o taxista pesava o pé no acelerador, mas ele meio que já estava acostumado com motoristas apressados.

Porém sua atividade recreativa foi interrompida quando seu celular vibrou ao receber uma chamada e atendeu antes mesmo que desse o primeiro toque. Era Sangwook.

— Alô? San-Gaga. — Um sorriso brotou em seus lábios, do outro lado da linha, o amigo avisava que já estava tudo pronto para a iniciação da gravação do seu álbum, sendo a presença dele no estúdio o único elemento pendente para que seu sonho tivesse o seu início.

O destino, contudo, parecia discordar das vontades de Venus.

— Em alguns minu... — Minhyun estava focado na conversa que tinha com Sangwook quando o motorista tentou desviar de uma moto também em velocidade que vinha na contramão e perdeu o controle do veículo e bateu em outro automóvel de frente, fazendo o carro que dirigia sair do chão, capotar e deslizar até se chocar contra uma barreira. Durante o acidente, o celular escapou da mão de Bae e ele tentava recuperar que pulava dentro do automóvel até sua cabeça chocar contra a janela e seu tórax contra o banco dianteiro ao cinto afrouxar. Quando o carro parou, só lhe restou alguns segundos de consciência, tentando recuperar o celular para falar com Sangwook quando veio por desmaiar.

...

O estudante de psicologia só recobrou a consciência na noite do mesmo dia do acidente. Sua cabeça e vistas doíam, a mesma estava parcialmente enfaixada, assim como o braço direito, notando também a presença de uma máscara de venturi em sua face. Não demorou muito tempo depois que recobrou a consciência para que um médico aparecesse.

Porém enquanto o profissional da área de saúde se mostrava preocupado com o quadro de Minhyun, ele só conseguia pensar no que tinha acontecido no acidente e porque logo naquele dia. Entre tantos anos de vida, principalmente estes últimos quais muito pedia corridas para se locomover, continuava a questionar o porquê de o acidente ocorrer logo no dia da sua gravação.

Seu olhar e atenção só voltaram ao médico quando o mesmo falou que precisava conversar com ele. Foi lhe notificado uma fratura simples no membro superior direito, uma ferida na cabeça devido ao impacto, mas que o mais preocupante era a sua situação pulmonar, não por causa da contusão que sofreu, mas sim devido ao ter sido diagnosticado enfisema pulmonar. O artista indie sequer sabia o que aquilo significava e tampouco gostou de saber.

Tratava-se de uma doença incurável e crônica que atinge a elasticidade dos pulmões e destrói alvéolos pulmonares, levando a falta de ar, infecções respiratórias, tosse crônica e sibilância. A principal causa dessa doença é o tabagismo e a inalação de outras substâncias tóxicas. A contrapartida, era que havia sido notada em um grau moderado, então ele conseguiria conter o avanço da doença com medicamentos, largando o cigarro e adotando práticas mais saudáveis.

— Mas eu ainda vou poder cantar? — A voz de Minhyun estava rouca, cansada e transbordava desespero. O olhar que caía sobre o homem a sua frente era como se implorasse por um milagre.

— Normalmente aula de canto também faz parte do processo de reabilitação vocal para quadros de enfisema, senhor Bae. Mas também foi notificada uma modificação na estrutura de sua laringe. Então primeiro precisamos que se recupere da contusão para depois realizarmos outros exames. — O médico se despediu de forma cortês, deixando para trás um aspirante a ídolo abalado.

Minhyun suspendeu o cobertor até cobrir a face e silenciosamente deixou as lágrimas escorrerem até que adormecesse.

...

Passaram-se mais três dias no hospital para que houvesse uma melhora mínima da contusão pulmonar. Durante todo este período esforçou-se ao máximo para não falar ou realizar qualquer ação que pudesse exigir muito dos seus pulmões ou cordas vocais. Até mesmo durante as visitas que recebeu e Sangwook, usou o google tradutor para que falasse por ele. Seu amigo, por sua vez, parecia tão abalado quanto o próprio Minhyun, que inclusive, não teve um dia que não chorasse ao lembrar das palavras do médico, mesmo que não fosse um veredito, tinha poucas esperanças que pudesse cantar profissionalmente algum dia.

Seu passatempo passou a ser procurar o que assistir ou jogar no celular, e quando não tentava estudar pelos materiais que alguns de seus colegas passavam para si no grupo do kakao. Fazia de tudo para esquecer da ameaça de não poder mais ser um cantor, embora o próprio ambiente não colaborasse muito já que permanecia no hospital. Parte de si sentia que havia falhado, também, consigo mesmo já que desde que fora posto para fora de casa, sempre bateu no peito dizendo que conseguiria ser um artista independente e iria calar a boca da sua família. Seu orgulho e ego estavam destroçados. Inclusive, nenhum dos familiares haviam aparecido para obter notícias de Minhyun, talvez realmente não existisse mais espaço para ele no núcleo da família.

No quarto dia em observação, finalmente pode fazer um exame mais detalhado da sua laringe e após isso passou a ser acompanhando por uma fonoaudióloga também. Foi constatado o quadro de disfonia que a primeiro momento não era tão perceptível quando se tratava de falar, e ainda assim insistia em economizar suas cordas vocais, porém ao cantar ou tentar fazer rap, sua voz falhava ou então ficava rouca. A especialista disse que não era algo irreversível, mas que seria necessário um processo de reabilitação para que ele pudesse usar da voz de forma profissional novamente, mas sem nenhuma estimativa de tempo para que isto ocorresse. Seria necessário um uso contínuo de medicamentos também para os outros diagnósticos mais a terapia para que tentasse um dia, voltar ao seu normal.

Nos dias restantes, permaneceu em observação e reabilitação. Todo dia recebia visita do seu melhor amigo, alguns dias mais breves que outros já que Sangwook tinha sua própria escala de trabalho. Era a única pessoa que fazia Minhyun se animar e tentar seguir em frente, embora não mais cogitasse trabalhar no ramo artístico. Naquele momento só lhe restava finalizar o curso de psicologia na SNU e tentar seguir carreira como psicólogo.