Cada ano que passava, o verão coreano parecia mais quente e seco. Os avisos recebidos durante a época do colegial acerca do aquecimento global pareciam sair de meras teorias e estatísticas para se provar uma realidade. Para aqueles que gostavam de aproveitar as férias ao longo do litoral do país - época em que o mar ficava liberado para nado e, portanto, abarrotado de gente - deveria ser um verdadeiro deleite. Mas a verdade é que para aqueles meros mortais que trabalhavam como um grande vício, o calor era cruel. Os mais qualificados tinham o ar condicionado de suas salas para si e quando saíam em curtas horas de almoço, buscavam lojas, cafeterias e restaurantes que pudessem amenizar aquele calor. Os que não tinham tamanha qualificação, deveriam lidar com o calor, talvez com ventiladores de mão ou leques improvisados - cenas que não eram nada incomuns pela capital.

Apesar de um período bastante quente, as vezes acontecia do céu simplesmente fechar e a cidade toda ficar sob uma forte chuva. Pelo menos dessa vez, a previsão do tempo indicava que a primeira semana de Setembro de 2019 seria com céu nublado, chuva e temperaturas variando entre 19 e 28C.

Pelo menos algo não fugia da normalidade, considerando que Setembro trazia aquele espectro da transição - logo as cores do verão dariam espaço para as cores do outono, deixando as árvores naqueles tons alaranjados até que o chão fosse completamente coberto por suas folhas secas.

Young Hoon gostava dessas estações de transição, já que gostava de tudo que não era extremo ou absoluto. Seria uma visão interessante observar aquelas novas cores, bem como as mudanças das pessoas, através das grandes janelas temperadas de sua cafeteria. Localizada em Samcheong-dong, no distrito de Jongno-Gu, sua cafeteria tinha um estilo considerado, até certo ponto, minimalista - as cores e a disposição dos objetos ajudavam a dar essa impressão. Era um estilo que não fazia jus ao local escolhido - afinal, Jongno-Gu é o centro político, econômico de Seul, e o bairro Samcheong carrega boa parte da história da Dinastia de Joseon.

Um espaço onde a tradição vive não apenas através da memória, mas em sua arquitetura mantida e conservada. Contudo, pouco a pouco, a modernidade alcança o bairro numa coexistência respeitosa e harmônica, não-invasiva, pois a memória de um povo é o principal tesouro de uma nação.



Justamente por isso, no instante em que comprou aquele espaço e começou a reformá-lo para transformá-lo em seu café, Young Hoon decidira que a memória viveria na modernidade e nomeou o local como Mnemosine. Não era um nome coreano, mas era uma das mil versões acerca da memória - dentro da cultura grega, este era o nome da Memória e mãe de todas as nove musas que inspiravam os artistas. Como alguém que estudou fora e que gostaria de entrelaçar suas raízes com o que aprendeu, ele decidiu que o nome seria este e esperava que o Café fosse capaz de inspirar os artistas que habitavam até mesmo a mais cética das pessoas.

Pois no fundo, todos possuem arte, ainda que o local não esteja acessível para todos. Quem sabe o café não ajudasse a encontrar as aberturas necessárias e trazer mais gosto a vida de algumas pessoas?

Até o momento tem dado certo.

O empreendimento começou há cerca de três meses e o dinheiro investido já fora recuperado a ponto de ter lucros. O ambiente, a música, a educação dos quatro funcionários, o cardápio com opções diversas - e, por que não dizer, a aparência do gerente do local - tinham colaborado para que em pouco tempo, Mnemosine ganhasse um público assíduo e fiel.




Fossem em fortes dias ensolarados, cujo calor era insuportável e apenas um café gelado dentro do ar condicionado ajudaria na sobrevivência. Fosse em dias chuvosos, como aquela terça-feira, onde apenas um ambiente caloroso e colorido como aquele poderia trazer certa vida ao dia chuvoso e nublado.

Young Hoon já estava a postos, limpando algumas mesas aqui e ali - mesmo ele sendo o gerente e caixa, ele gostava de estar em contato com a prática de seu negócio. Havia dois funcionários trabalhando em turno de meio período naquela manhã. Na música ambiente, os sucessos do primeiro semestre estavam tocando de modo aleatório.


A voz cadenciada de Holy dominava o lugar com o sucesso Why. Young Hoon mexia a cabeça aqui e ali, limpando, mas vez ou outra, olhava para fora, enquanto a chuva caía e os guarda-chuvas circulavam.